sexta-feira, 18 de julho de 2014

Até que nem tanto exotérico assim!


(Cássio Leandro Dal Ri Barbosa - G1) Aliás, nada esotérico! Lembrei desta linda música de Gilberto Gil para falar sobre o mais novo “mistério” da astronomia. Essa semana pintou a notícia da descoberta, ou observação, de um sinal “misterioso” em um aglomerado de galáxias na constelação de Perseu a 237 milhões de anos luz. Eu nem preciso dizer que manchetes assim me deixam ouriçado para saber do que se trata.

Vamos aos fatos.

O telescópio espacial de raios X da NASA , o Chandra, e seu irmão europeu da ESA, chamado de XMM-Newton, observaram uma amostra de 74 aglomerados de galáxias. O interesse em aglomerados como esses, que podem ter centenas de galáxias empacotadas em um volume pequeno no espaço, é muito grande. Tudo bem que por "pequeno" entenda-se dezenas ou centenas de milhares de anos-luz!

Aglomerados de galáxias são bastante estudados por vários motivos, dentre eles saber como se dá a interação entre elas e também os efeitos das intensas forças gravitacionais. Os gigantescos cabos de guerra deformam as galáxias a ponto de rasgar pedaços delas, lançando ao espaço aglomerados, estrelas, mas principalmente muito gás. Fatalmente uma galáxia acaba engolindo outra, num processo de canibalização gerando uma outra galáxia bem massiva. Há vários casos conhecidos no universo e num futuro distante, a nossa Via Láctea e Andrômeda devem se fundir em uma única galáxia.

O espaço entre as galáxias em um aglomerado está longe de ser vazio, muito pelo contrário, ele está repleto de gás. Bombardeado pela radiação das galáxias em volta, esse gás é aquecido a milhões de graus, mas como sua densidade é muito baixa, observamos esse plasma tênue apenas emitindo raios-X. Justamente essa emissão de raios-X é que o Chandra e o XMM-Newton estavam estudando em 74 aglomerados.

Observar em raios-X é um desafio e tanto, primeiro por que é preciso sair da atmosfera da Terra, pois ela os absorve completamente. Em segundo lugar, o sinal de raios-X é muito fraco, observações deste tipo podem durar dezenas de horas para se obter uma detecção muito sutil. E foi assim, um sinal muito sutil detectado pelo Chandra e o Newton, que deu o que falar pelo mundo.

Observando o aglomerado de Perseu, também conhecido como NGC 1275, uma equipe de astrônomos liderada por Ersa Bulbul do Centro de Astrofísica de Harvad reportou em um artigo no "Astrophysical Journal" a detecção de um sinal muito sutil, na verdade uma “linha” em uma faixa específica de energia. Essa linha não havia sido observada antes e como foi detectada em quase todos os 74 aglomerados e também em M31, por outros pesquisadores, levou a equipe a acreditar que não se tratava de um falso positivo.

Como essa linha não está entre as catalogadas como sendo a emissão de um elemento químico conhecido, ela se tornou “misteriosa”. Várias hipóteses foram levantadas, por exemplo de que seja sim de um elemento químico conhecido, mas que esteja com uma intensidade 10 ou 20 vezes o valor esperado pela teoria, que está muito bem assentada há décadas. Outras hipóteses para serem viáveis, precisam que mudemos o nosso entendimento de como ocorre a emissão de raios-X dos gases do aglomerado, o que também é algo bem improvável de acontecer.

A hipótese mais sedutora do ponto de vista da astrofísica é devido a possibilidade de esta linha ser o sinal de vida, na verdade de morte, de uma partícula procurada há muito tempo. Essa partícula, conhecida como neutrino estéril seria a partícula que compõe a matéria escura do universo.

A matéria escura é constituinte de 23% de tudo o que há no universo, mas mesmo assim ela é invisível. Toda a matéria visível, chamada de bariônica, compõe apenas 4% do universo. Até hoje ninguém foi capaz de afirmar tacitamente do que é constituída a matéria escura, é claro que existem várias teorias, uma mais estranha do que a outra.

Uma delas, nem tão estranha assim, diz que a matéria escura é constituída desses neutrinos estéreis, que quando se desintegram em outras partículas, emitem um sinal na energia detectada pelo Chandra e o XMM-Newton. O neutrino estéril é um bom candidato, pois não possui nenhum tipo de interação com o resto do universo a não ser através da força gravitacional. Este é o único efeito detectado da matéria escura, ela não brilha, não irradia, mas faz com que a massa das galáxias seja muito maior do que a massa deduzida através da soma de toda matéria bariônica. A única maneira de sabermos da existência dela é através da interação gravitacional que ela proporciona e, mesmo assim, apenas em escalas galácticas. Em outras palavras, em distâncias tão grandes quanto o tamanho de uma galáxia!

Por mais excitante que seja essa possibilidade ainda é preciso muita calma antes de se bater o martelo em favor do neutrino estéril. Antes de tudo é preciso ter certeza que se trata mesmo de um verdadeiro positivo. Mesmo sendo o Chandra o melhor telescópio de raios-X jamais construído, a detecção dessa linha foi no limite de sensibilidade do instrumento. Ainda que tenha sido detectada também pelo XMM-Newton em mais de 70 aglomerados, ambos os telescópios estão obtendo dados há uma década, e ninguém nunca reportou nada parecido!

O próximo passo é juntar mais dados de um terceiro telescópio espacial, o Suzaku da agência espacial japonesa. Mas talvez a palavra definitiva só venha com a nova geração de telescópios, que deve se iniciar com o Astro-H. Esses novos telescópios terão detectores muito mais sensíveis e poderão determinar se essa linha é mesmo real ou não. E mesmo sendo, se ela pode ser atribuída ao neutrino estéril.

Como diz a música, mistério sempre há de pintar por aí! Mas para todos eles, nada como a investigação científica!

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