terça-feira, 9 de setembro de 2014

Modelos de matéria escura para explicar “solidão” da Via Láctea

Simulações em supercomputador usam diferentes parâmetros de interação das partículas que formam a substância em busca de resposta para o mistério do número reduzido de galáxias-satélite observado em torno da nossa


(O Globo) A matéria escura teve sua existência proposta ainda na primeira metade do século XX, mas até hoje sua real natureza permanece um mistério para os cientistas. Desde 1933, quando o astrônomo suíço Fritz Zwicky indicou que a gravidade de uma massa invisível (daí o “escura”) é o que impede que as estrelas sejam atiradas para fora das galáxias devido à alta velocidade de suas órbitas em torno dos respectivos núcleos galácticos que ele tinha observado, diversas teorias foram apresentadas para explicar o que seria esse estranho material que responde por cerca de 20% de tudo que há no Universo e mais de 80% de toda matéria, isto é, todas as estrelas, planetas, nebulosas e nuvens de gás e poeira que vemos no espaço e nós mesmos seriam feitos com apenas os 20% restantes, a matéria “comum”, chamada bariônica.

Entre estas teorias, uma das mais aceitas atualmente pelos cientistas é a da chamada matéria escura “fria”. Segundo uma de suas versões, a matéria escura seria formada por um novo e exótico tipo ou família de partículas subatômicas chamadas WIMPs (sigla em inglês para “partículas maciças de fraca interação”). Modelos cosmológicos com a matéria escura na forma de WIMPs conseguem explicar tanto o porquê das estrelas não serem jogadas para fora das galáxias quanto outros fenômenos posteriormente a ela relacionados, como a estrutura em grande escala do próprio Universo.

Na vizinhança da Via Láctea, porém, estes modelos de matéria escura fria e pouco interativa fracassam miseravelmente, destaca Carlton Baugh, professor do Departamento de Física da Universidade de Durham, no Reino Unido. De acordo com eles, nossa galáxia deveria estar rodeada por um número muito maior de galáxias-satélite do que vemos atualmente. E foi diante desta inconsistência entre teoria e observação que Baugh e colegas resolveram usar simulações em um supercomputador para testar se diferentes parâmetros que tornassem a matéria escura um pouco mais interativa poderiam explicar esta aparente “solidão” da Via Láctea.

Em estudo publicado na edição deste mês do periódico científico “Monthly Notices of the Royal Astronomical Society” (MNRAS), os pesquisadores sugerem que, além da gravidade, as partículas da matéria escura teriam interagido mais fortemente com fótons e neutrinos na infância do Universo, o que fez com que ela se espalhasse mais, reduzindo a quantidade de regiões onde ela pôde se acumular em torno da Via Láctea e que teriam servido de “sementes gravitacionais” para a formação de galáxias-satélite ao atrair a matéria “comum”, ou bariônica.

- Há muito tempo os astrônomos chegaram à conclusão de que a maior parte da matéria do Universo é composta por partículas elementares conhecidas como matéria escura – lembra Baugh. - Este modelo pode explicar em grande parte como é o Universo, com exceção de nosso próprio quintal, onde ele fracassa miseravelmente ao prever que deveriam haver muito mais pequenas galáxias-satélite em torno da Via Láctea do que podemos observar. Mas usando simulações em computador que permitiram à matéria escura ficar um pouco mais interativa com o resto do material no Universo, como os fótons, podemos reformar nossa vizinhança cósmica e ver uma notável redução no número de galáxias em torno de nós quando comparado ao originalmente previsto.

Já Celine Boehm, também da Universidade de Durham e principal autora do estudo, ressalta que as simulações são uma prova de como mesmo pequenas alterações nas propriedades de pequenas partículas subatômicas podem afetar estruturas em grande escala como galáxias, abrindo caminho para uma melhor compreensão sobre a estranha natureza de nosso Universo.

- Não sabíamos o quão forte estas interações (da matéria escura) deveriam ser, então foi aí que entraram as nossas simulações – conta Celine. - Ao variarmos o quanto suas partículas se espalharam, mudamos o número de pequenas galáxias (em torno da Via Láctea), o que nos permitiu aprender mais sobre a física da matéria escura e como ela pode interagir com outras partículas no Universo. Este é um exemplo de como uma medida cosmológica, neste caso o número de galáxias que orbita a Via Láctea, é afetada pela escala microscópica da física de partículas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário