sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Antigas estrelas indicam evolução da Via Láctea

O Hubble identificou estrela no halo da galáxia que provavelmente é mais velha que aglomerados estelares




(Scientific American Brasil) Nós habitamos uma gigante galáxia em forma de espiral, que brilha com centenas de bilhões de estrelas, um colosso tão massivo que pelo menos duas dúzias de galáxias revolvem a seu redor. Mas como surgiu essa imensa entidade? Indícios vêm das estrelas mais antigas e “sábias” da Via Láctea – aquelas localizadas no halo estelar, o componente galáctico que envolve o brilhante disco que abriga o Sol.

Estrelas do halo se destacam por terem se formado antes de supernovas espalharem uma grande quantidade de elementos pesados pela galáxia, e por isso esse tipo de estrela tem pouco ferro. Os membros mais brilhantes do halo são aglomerados estelares globulares pobres em ferro, objetos espetaculares que podem abrigar centenas de milhares de estrelas ancestrais em uma esfera com apenas algumas dúzias de anos-luz de diâmetro.

Agora, o Telescópio Espacial Hubble descobriu que uma estrela individual do halo é ainda mais antiga que esses conjuntos estelares e que, portanto, é uma cápsula do tempo ideal que existe desde o nascimento da Via Láctea. “Esse é um trabalho muito elegante”, elogia Gerry Gilmore, astrônomo da University of Cambridge, na Inglaterra, que não tem afiliação com os pesquisadores. “Eles fizeram o melhor trabalho possível”.

Apesar de sua importância, o halo estelar constitui apenas um milésimo da massa total da Via Láctea. Ainda que o halo se estenda muito além do disco, a maioria de suas estrelas fica mais perto do centro galáctico do que nós, então aglomerados globulares são numerosos em constelações na direção do centro galáctico, como Escorpião e Sagitário.

Don VandenBerg, astrônomo da University of Victoria na Columbia Britânica, e seus colegas, avaliaram a idade de duas estrelas do halo na constelação de Libra. Nenhuma delas pertence a um aglomerado globular, e ambas são sub-gigantes – estrelas que estão fazendo a transição da fase da sequência principal, em que nosso Sol brilha, para fase de gigante vermelha, quando uma estrela fica muito maior. Os astrônomos escolhem essas estrelas porque, a uma dada temperatura, sub-gigantes de idades diferentes têm luminosidades diferentes, então medir o mais recente revela o anterior.

A equipe de VandenBerg usou o Hubble para determinar que uma das estrelas do halo, chamada HD 140283, fica a aproximadamente 190 anos-luz da Terra. A distância revelou quanta luz a estrela emite. Modelos de evolução estelar indicam que a estrela deveria atingir essa luminosidade aos 14,3 bilhões de anos. Isso é um pouco mais que os 13,8 bilhões de anos do Universo, mas a idade estelar tem uma margem de incerteza de 0,8 bilhão de anos, assim não existe conflito.

A estrela é muito mais velha que um aglomerado globular com a mesma composição química. “Eu acredito que exista uma diferença real de idade”, declara VandenBerg. O aglomerado, chamado de M92, fica na constelação de Hércules e tem cerca de 12,5 bilhões de anos – 1,5 bilhão de anos a menos que a estrela. Tanto o aglomerado quanto a estrela têm a mesma baixa quantidade de ferro, cerca de 1/250 a do Sol.

Essa é a mesma história da outra estrela, chamada de HD 132475, que é mais jovem e mais rica em ferro. Ela fica a aproximadamente de 320 anos-luz de distância, e tem cerca de 12,6 bilhões de anos – quase um bilhão de anos mais velha que o aglomerado M5, que tem 1/30 do ferro de nosso Sol, a mesma quantidade da estrela.

Assim, de acordo com artigo publicado em 10 de setembro no periódico The Astrophysical Journal, as duas estrelas parecem ter se formado muito antes dos aglomerados com que se parecem. “Isso faz sentido astrofísico”, observa Gilmore.

No princípio, explica ele, a galáxia provavelmente não conseguia produzir grandes aglomerados, mas apenas estrelas individuais e pequenos grupos estelares.

Estrelas se formam quando nuvens de gás colapsam. Mas uma nuvem deve estar fria para colapsar; na Via Láctea moderna, átomos de carbono e oxigênio irradiam calor, deixando nuvens com temperaturas gélidas. Mas a galáxia primitiva tinha pouco carbono ou oxigênio. Como resultado disso, explica Gilmore, algo tão grandioso quanto um aglomerado globular só poderia surgir após supernovas terem lançado esses dois elementos cruciais ao espaço.

Assim, os primeiros objetos que se formaram na Via Láctea foram estrelas individuais.

De qualquer forma, a nova descoberta se baseia em apenas duas estrelas. “É preciso ser cauteloso”, alerta VandenBerg. Felizmente, a situação deve melhorar em breve, porque a sonda Gaia da Agência Espacial Europeia está medindo a distância de incontáveis estrelas, incluindo subgigantes no halo. “Nós iremos de duas estrelas para 20 milhões de estrelas com números precisos”, observa Gilmore. “E isso vai mudar tudo”.

Até o final da década, os dados da Gaia devem confirmar ou refutar o novo trabalho. Aglomerados estelares são objetos incríveis quando vistos por um telescópio amador, mas os melhores indícios da época inicial da galáxia podem vir das estrelas solitárias espalhadas por seu halo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário