quarta-feira, 23 de abril de 2014

A dança dos buracos negros

Dois objetos supermaciços, em uma galáxia comum e na órbita um do outro, foram descobertos justamente quando um deles destrói uma estrela


(El País) A presença de dois buracos negros supermaciços é uma pista crucial para a história da galáxia que os aloja, pois deve ser produto da fusão de dois conjuntos estelares no passado. E uma equipe internacional de astrônomos encontrou uma dessas duplas de objetos, em órbita um do outro. Isso ocorreu graças a uma sutil estratégia de trabalho com o telescópio espacial de raios-X XMM-Newton, concebida para aproveitar todo o tempo possível de observação, incluídos os períodos em que ele passa de uma área do céu para outra. Em vez de desligar a câmera, deixa-se o XMM-Newton em operação, para registrar algo interessante que ele por acaso veja. E foram de fato interessantes os dados colhidos em 10 de junho de 2010: ao analisá-los, os cientistas descobriram um brilho de raios-X produzido quando um buraco negro rasga uma estrela do seu entorno. As observações dos dias seguintes completaram o panorama: são dois os buracos negros no centro de uma galáxia situada a dois bilhões de anos-luz da Terra.

Segundo os cálculos dos pesquisadores, o buraco negro principal da dupla teria uma massa equivalente a 10 milhões de vezes a do Sol, e o outro aproximadamente um milhão de massas solares, em uma órbita elíptica. Numa segunda possível configuração, o objeto principal teria um milhão de vezes a massa solar. Em ambos os casos, a distância entre os dois buracos negros seria de aproximadamente dois milésimos de ano-luz, aproximadamente o diâmetro do Sistema Solar, explica a Agência Espacial Europeia (ESA), com cujo telescópio XMM-Newton, lançado ao espaço em 1999, foi feita a descoberta. Os astrônomos, liderados por Fukum Liu, da Universidade de Pequim, publicam seu trabalho na revista Astrophysical Journal.

No centro da maioria das galáxias há pelo menos um buraco negro supermaciço e, até agora, só num punhado delas suspeita-se que possa haver dois formando um sistema binário, sempre em galáxias ativas, nas quais os buracos estão constantemente rasgando as nuvens de gás que vão engolindo. Nesse processo de destruição, o gás esquenta tanto que brilha inclusive em raios-X, razão pela qual as galáxias são chamadas de ativas. Mas desta vez, no caso da dupla observada, trata-se de uma galáxia comum, com um centro tranquilo, e não de uma ativa.

“Pode haver toda uma população de galáxias adormecidas que alojem sistemas binários de buracos em seu centro, mas encontrá-los é uma tarefa difícil, porque não há nuvens de gás alimentando-os e, portanto, esses centros são escuros”, assinala Stefanie Komossa, do Instituto Max Planck da Radioastronomia (Alemanha), da equipe de Liu. Para driblar esse problema, os pesquisadores conceberam uma estratégia de busca com o XMM-Newton que consiste em rastrear o céu em busca de pistas quando o telescópio, nas observações programadas, precisa mudar de orientação. A ideia é ter sorte e que ele olhe para o lugar adequado no momento adequado, justamente quando um buraco negro de uma galáxia adormecida rasga uma estrela e gera o brilho correspondente.

Depois da primeira detecção de um desses brilhos característicos na galáxia SDSSJ120136.02+300305.5, os investigadores começaram a seguir o fenômeno nos dias subsequentes. Assim descobriram algo estranho: a emissão de raios-X caiu abaixo do nível detectável entre o 27º. e 48º. dia depois da descoberta, segundo o Instituto Max Planck. Mas depois a emissão reapareceu, para continuar a pauta esperada de atenuação do brilho. O que havia ocorrido? Como explicar o blecaute durante alguns dias? Então recorreram aos modelos de Liu sobre sistemas binários de buracos negros, que indicam, precisamente, uma repentina queda da emissão e a recuperação posterior.

O futuro desses dois buracos negros está selado, dizem os investigadores: dentro de uns dois milhões de anos eles se fundirão em um só, e então emitirão enormes quantidades de energia não só em raios-X, mas como uma fonte superpotente de ondas gravitacionais, ondulações no espaço-tempo que se propagam pelo espaço e que foram previstas na Teoria Geral da Relatividade de Einstein. Para detectar essas ondas, planejam-se instalações especiais (como o detector Ligo, em terra, já em fase de testes) e projetos espaciais.
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Prato para dois! (Cássio Leandro Dal Ri Barbosa - G1)

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